Agora me encontrava no parque do Ibirapuera, deitada numa rede que havia pregado entre duas árvores grandes o bastante para oferecer uma fresca sombra. Adorava a idéia de estar ali sozinha e eu nem era anti-social. O porquê disso? Bem, essa foi a grande evolução emocional que mudou minha vida. E nem sempre é preciso quebrar a cara por completo para conseguir esse tipo de coisa, às vezes só umas rachaduras nela já bastam.
Estiquei o pescoço para ver meu nome, Manuela, gravados por mim numa daquelas árvores um tempo atrás. Foi quando um vento bateu no meu rosto, eriçando meus cabelos loiros e me fazendo sorrir, lembrando de como reagia a essas coisas antigamente. Como eu era fútil e nojenta... Eu acordava todos os dias de escola uma hora e meia antes do horário da aula. Não que morasse longe do colégio, ele ficava ao lado da minha casa, acordava cedo assim era para me arrumar. Passava pó-compacto, blush, rímel, lápis de olho, perfume, hidratante e fazia escova para alisar o cabelo. Tudo isso no meu minissalão do banheiro e se depois um ventinho embaraçasse as minhas mechas lisas, eu ficava histérica.
Pensava ser recompensada pelos sorrisos que recebia durante o dia, pois quem não sorriria ao ver uma menina loira, de olhos verdes, cheirosa e discretamente maquiada? A verdade era que eu não me dava conta da falsidade das pessoas, ou dava, mas simplesmente tentava ignorá-la, já que eu era igual.
Viu? Eu te avisei que era nojenta.
Tinha várias garotas que me rodeavam e seguiam pelo pátio, cada uma era chamada por mim de “amiga!”, mas de amigas elas não tinham nada. Esse apelido era só para não confundir os nomes, pois eu não me dava ao trabalho de perguntá-los. Meus segredos contava apenas para uma ruiva, que no dia seguinte já eram de conhecimento da escola inteira. Achava isso um máximo, pois significava que todos queriam saber coisas de mim, todos me adoravam.
E os garotos? Ah, os garotos eram ótimos, brigavam o dia inteiro pela minha atenção. De vez em quando rolava uma briga bem feia, mas, já que eu era o motivo dela, achava muito fofo. Até os professores, todos homens, me adoravam. Eles distribuíam abraços ao me ver, às vezes até esbarravam a mão nos meus seios, mas sabia que se reclamasse seria reprovada, então deixava. Um dia eu estava precisando de nota em matemática e acabei ficando com um deles. Não foi um absurdo, pois ele só tinha 27 anos, gostava mesmo de mim e foram apenas beijos.
Corrigindo: eu era fútil, nojenta e muito inocente. Reagia assim às coisas porque demonstrava ser popular, madura e independente, mas na verdade era solitária e criança. A falta de amizades boas e verdadeiras me afetava demais. E por tanto tempo eu tive que criar uma máscara para esconder esses sentimentos, que me tornei uma pessoa sem escrúpulos. Só que nada dura para sempre e um dia você se enche de fingir ser quem não é.
Foi exatamente isso que aconteceu comigo. Eu estava numa boate para dezoito anos, como sempre, lá pras quatro da manhã de um sábado, com uma caipirinha numa mão e o pescoço de Marquinhos na outra. Marquinhos era meu namorado, o que mais tinha durado, pois estava com ele há duas semanas. Eu o havia escolhido por ser muito lindo e por beijar bem, os detalhes, como o fato de ele ter 22 anos, não fazer nada da vida a não ser surfar e beber, eu tentava ignorar.
– Você tá muito linda, Manu – comentou ele entre um beijo e outro. – E cheirosa também.
– Eu já sabia. – Fui modesta. – Você pode me dar uma carona pra casa? Eu disse pra minha mãe que iria dormir na casa da Jú e, é claro, nem passei lá.
– Posso sim, mas aqui fecha às seis. Você não acha estranho aparecer na sua casa às seis da manha?
– Verdade, nem tinha pensado nisso. Posso ficar na sua casa até às dez?
– Claro, amor.
Obviamente ele tinha segundas intenções, mas eu, como sempre, não reparei.
– Tá com sono? – Marquinhos me perguntou ao abrir a porta da sua casa. – Por que eu to quase dormindo em pé aqui.
– Somos dois – bocejei enquanto ele trancava a porta.
– Então vem. – ele me pegou no colo tão rápido que soltei um gritinho, mas logo em seguida sorri com a fofura daquilo.
Eu disse que estava sendo completamente cavalheiro e lhe dei um pequeno beijo. Bem, essa foi a minha intenção, mas Marquinhos se empolgou e o beijo foi tão longo que quando percebi já estávamos na porta do seu quarto. Fiquei meio assustava, pois, mesmo sempre demonstrando que era madura e adulta, eu ainda era virgem. Tentei sair de seus braços, mas quando finalmente consegui já estava sentada na cama. Ele veio devagar, sorrindo, sem tirar os olhos de mim e começou a me beijar. Pensei que talvez eu estivesse exagerando ao ficar assustada, mas vi que estava certa quando ele apalpou meus seios à procura do zíper.
– Que foi, amor? – perguntou quando me viu recuar com os olhos arregalados.
– Eu não vou fazer isso, só tenho dezesseis anos. – miei.
– Ah, qual é? Todo mundo sabe que você não é nenhuma santinha. – ele tentou me beijar de novo, mas eu desviei o rosto.
– Estou falando sério e por incrível que pareça – Eu hesitei, pensando se deveria mostrar minha verdadeira identidade ou ceder e continuar sendo a Manu invejável de sempre. – ainda sou virgem.
Não agüentava mais, sabia que aquilo ia ser a fofoca do dia seguinte, mas não me importava, não iria perder a virgindade por causa disso. Ela era a única coisa que me pertencia por completo, que só iria deixar de ter quando eu, a verdadeira Manuela, quisesse, e não quando um idiota qualquer pressionasse.
– Está na hora de perder essa vergonha boba, amor – Marquinhos tentava me persuadir. — Tudo tem sua primeira vez. Relaxa, eu não vou te machucar.
– Eu disse não, Marcos. – juntei um pouco de força e o empurrei de cima de mim, fazendo-o cair da cama e perder a paciência.
– Vem cá, quem você pensa que é? – nós dois ficamos de pé – Primeiro você fica dando em cima de mim que nem uma desesperada e agora diz que não quer porque é virgem? Você é só mais uma loira burra que passou pela minha vida e se não quer fazer as minhas vontades, dá o fora daqui!
Com os olhos embaçados de lágrimas raivosas, eu virei as costas e, sem dar uma palavra saí dali. Só me dei ao trabalho de jogar uma pedra e quebrar um dos vidros do carro dele para extravasar o ódio. Fui para casa, pulei o muro, entrei na ponta dos pés e fui direto para o quarto. Meus pais só perceberam que eu já tinha chegado quando desci para jantar. Acabou que nem dormi, fiquei pensando na vida. Foram nessas poucas horas que tudo mudou.
Parecia que eu tinha passado por uma metamorfose. Decidi não mais me maquiar para ir a escola, pois queria arranjar amizades verdadeiras, não aquelas interessadas numa menina bonitinha, porém sem cérebro. A parte do “sem cérebro” eu iria curar prestando atenção nas aulas, pois meus pais não estavam se matando de trabalhar para eu desperdiçar o dinheiro que eles gastavam pagando a escola. Nunca mais iria sair com garotos muito mais velhos, pois eles têm expectativas demais ao meu respeito. E, principalmente, iria ser eu mesma, falar o que penso, agir do jeito que eu quiser, sendo isso agradando meus amigos ou não.
O melhor foi ter descoberto que, com isso tudo eu me tornei uma pessoa melhor, completamente diferente da antiga Manuela, rodeada de gente que me ama de verdade e amadas por mim na medida certa. Ninguém é dono de ninguém, todos têm o direito de fazer o que quiserem e, principalmente, têm o direito de ser feliz.
E eu agora me encontro sentada nessa rede, toda descabelada, de moletom, feliz por me contentar apenas com a minha presença, sem ao menos pensar que necessito de um homem ou amiga ali para me sentir assim: em paz com o universo.
Gabriela Pedroso